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Mensagem sobre o Dia da Consciência Negra

                                                                                                                      Francisco das C. Lima Filho11

Dia 20 de novembro se celebra o “Dia da “Consciência Negra”, reconhecido oficialmente pela Lei 14.759/2023, e que tem por objetivo relembrar as lutas dos movimentos negros pelo fim da opressão provocada pela escravidão, que por mais de 300 anos, capturou pessoas na África trazendo-as à força em condições subumanas para escravizá-las no Brasil, que Miguel Barros denomina de Holocausto dos negros 1  e Abdias Nascimento, de Genocídio do povo negro no Brasil2.

Este dia 20 de novembro que coincide com a morte do negro Zumbi, importante líder do Quilombo dos Palmares, situado no Estado de Alagoas, deve ser visto  não como celebração, como muitos afirmam, mas sim como momento para refletir a respeito do sofrimento e das atrocidades como eram tratados os negros trazidos, à força, de sua terra-mãe, por atos de violência e negação da condição humana, deixando para trás famílias, bens e sua cultura - tão rica – e aqueles que sobrevivessem a longa e penosa travessia do oceano, perdiam imediatamente à chegada em território brasileiro o nome de origem e familiar, porque eram batizados com novo nome, perdendo, assim, a própria identidade, passando a serem tratados, como diria ARISTOTELES  365 anos antes de Cristo, como “mera ferramenta de trabalho”, vendidos ou mandados para a lavoura da cana de açúcar ou para as minas e poucos, como algumas mulheres, passavam a laborar na casa de seus proprietários sem qualquer rendimento e não raro, sujeitas à chibata.

Não podemos jamais esquecer desse fato. Antes, precisamos relembrar todos dias dessa ferida indelével que maculou e marcou para sempre a história brasileira  e rejeitar a falsa ideia de uma democracia racial no Brasil, porque ela jamais existiu, à medida que o racismo enquanto negação do outro pela mera circunstância de não ser branco, que Grada Kilomba denomina “Outricidade (3)” , significando “a personificação de aspectos expressores do “eu” do sujeito branco”, ou seja, o negro “se torna representação mental daquilo com o que o sujeito branco não quer se parecer”, se encontra arraigado e estruturalmente fincado nas estruturas sociais e de poder e constitui, ainda, infelizmente, prática diária de uma grande parcela da sociedade brasileira como lembra o ex-Ministro Silvio de Almeida (4) , bastando se ver as diárias  e reiteradas denúncias de racismo e de violência contra o negro e do trabalho escravo moderno, que, quotidianamente, são noticiadas pela imprensa, a evidenciar que, desgraçadamente, ainda domina a consciência e constitui uma prática cotidiana de muitas pessoas, ainda que, não raro, negada pelos racistas não assumidos, o que dificulta o combate a esse crime hediondo, sem que isso impeça de continuamos lutando contra essa modalidade de ato de desumanidade, porque como advertiu Ângela Davis: “Numa sociedade racista, não basta não ser racista, é necessário ser antirracista” (5)  e que Grada Kilomba (6) , denomina de colonialismo, porque esse processo significou não apenas a imposição da autoridade ocidental sobre terras dos conquistados, mas também ao modo de produção, leis, culturas e governos e com relação aos negros, a sua própria condição humana.

O racismo se revela em um doloroso impacto corporal e psicológico, com perda da própria identidade daquele por ele é afetado, causando uma terrível dor traumática que a vítima carregará para o resto da vida, pois o indivíduo é cirurgicamente retirado e violentamente separado de qualquer identidade que ele realmente possa ter, sendo privado de sua própria conexão com a sociedade, inconscientemente pensada como branca, como mais uma vez averba Grada Kilomba (7),  quando na verdade, mais de 50% da população brasileira, incluindo os negros e pardos, é negra, mas que desfruta das mesmas condições de vida da população branca, que insiste em negar o racismo e que a sociedade é plural, multirracial e culturalmente diversa. 

Tudo, não obstante, se deve celebrar as conquistas alcançadas até aqui pelo povo negro, como, por exemplo, a aprovação pelo Senado de alteração Lei de Quotas para nela incluir os quilombolas e ratificação e aprovação pelo Governo Brasileiro por força do Decreto 10.932, de 10 de janeiro de 2022 e da decisão do Supremo Tribunal equiparando a injuria racial a racismo (Habeas Corpus -  HC 154248) e que foi incorporada pela Lei 14.532, de 11 de janeiro de 2023. Mas ainda assim, é muito pouco se pensamos que grande parcela população brasileira é negra (8), a quem muitos dos direitos garantidos e assegurados aos brancos até aqui têm sido negados, não por falta de leis, mas, muito mais pelo preconceito que se encontra arraigado na cultura brasileira, fruto de mais de 300 anos de escravidão e isso, não se pode negar, deixa marcas de dor, de sofrimento e de exclusão indeléveis, porque continuam os negros e negras sendo as maiores vítimas do racismo, inclusive do racismo ambiental que como adverte Ailton Krenak (9), está ligado à pobreza e cria uma situação na qual o dano ambiental afeta primeiro o corpo dessas pessoas, e depois, esse impacto pode se espalhar para outros lugares, mas o primeiro lugar de incidência do racismo ambiental é o corpo das crianças, das pessoas, isso sem se falar da violência, nomeadamente contra as mulheres negras que necessita ser vista sob uma ótica diferente, pois como advertia  Lélia Gonzales (10) a separação de gênero, raça e classe, na situação das mulheres negras, conduz à invisibilização e ao silenciamento dessas pessoas, à medida que são pessoas negras atravessadas pelo gênero e mulheres atravessadas pela raça que vivenciam experiências de um lugar diferente do das mulheres brancas e dos homens negros.
É contra essa discriminação que todos devemos nos engajar, para que os negros, como todas as demais pessoas, possam de fato ser incluídos no processo de uma verdadeira cidadania e tenham direitos em igualdade de condições com os brancos, de acordo com suas capacidades e aptidões, não tendo como parâmetro a cor. 

É essa a mensagem que o Subcomitê de Equidade e a Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região desejam transmitir à sociedade nessa semana em que se celebra o Dia da Consciência Negra, deixando aqui, a sempre lembrada fala de Martin Luhter King ao afirmar no início da década de sessenta do século passado:

Eu tenho um sonho que meus quatro pequenos filhos um dia viverão em uma nação onde não serão julgados pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu caráter. Eu tenho um sonho hoje.

Também é nosso sonho que nossos filhos, netos e bisnetos possam viver num País verdadeiramente plural e antirracista em que não corram o risco de serem julgados pela cor de sua pele, mas pelo caráter e retidão de suas condutas.

Notas de rodapé:

  1. Palestra proferida em Seminário no Tribunal Superior do Trabalho em 2022.
  2. NASCIMENTO, Abdias. O Genocídio do Negro Brasileiro. São Paulo, Editora Paz e Terra, 1978.
  3. Termo usado por Grada Kilomba (Memórias da Plantação: Episódios de Racismo Cotidianos. Editora Cobogó, 2019) significando “a personificação de aspctos expressores do “eu” do sujeito branco”, ou seja, o negro “se torna representação mental daquilo com o que o sujeito branco não quer se parecer”.  
  4. ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. Editora Jandaíra, 2018. Para o aludido autor, “Todo o racismo é estrutural porque o racismo não é um ato, o racismo é processo em que as condições de organização da sociedade reproduzem a subalternidade de determinados grupos que são identificados”.  
  5.  Disponível em: <https://wp.ufpel.edu.br>. Acesso em 20.11.2025. 
  6. KILOMBA, Grada. Op. cit, 2019.
  7. KILOMBRA, Grada. Ibem, 2019.
  8. Segundo os resultados do censo 2022, cerca de 92,1 milhões de pessoas se declararam pardas, o equivalente a 45,3% da população do país. Desde 1991, esse contingente, de acordo com o IBGE, não superava a população branca, que chegou a 88,2 milhões (ou 43,5% da população do país). Outras 20,6 milhões se declaram pretas (10,2%). Disponível em: < https://agenciadenoticias.ibge.gov.br>. Acesso em 20.11.2025.
  9. KENAK, Ailton. “Racismo ambiental é uma torção na nossa vida: a urgência de justiça aos corpos invisibilizados. Disponivel em: <https://www.defensoria.ce.def.br/noticia. Acesso em 20.11.2025.
  10. DUARTE, Marco José de; OLIVEIRA, Dandara Felícia Silva; IGNÁCIO, Késia Mayra Rodrigues. (2021) Gênero, Raça e Sexualidade: Uma Proposta de Debate Interseccional? In: Diversidade sexual, étnico-racial e de gênero: temas emergentes. Organização Bruna Andrade, 1. Ed. Salvador, BA, p. 161.
  11. Desembargador Diretor da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região. Coordenador Regional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do TRT da 24ª Região.