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Mensagem sobre o Dia da Consciência Negra

No dia 20 de novembro se celebra o “Dia da “Consciência Negra”, reconhecido oficialmente pela Lei 14.759/2023, e que tem por objetivo relembrar as lutas dos movimentos negros pelo fim da opressão provocada pela escravidão, que por mais de 300 anos, capturou pessoas na África trazendo-as à força, em condições subumanas, para escravizá-las no Brasil, e que Miguel Barros denomina de Holocausto dos negros¹ e Abdias Nascimento, de Genocídio do povo negro no Brasil².

Essa data coincide com a morte de Zumbi, importante líder do Quilombo dos Palmares, situado no Estado de Alagoas. Serve não para celebrar como muitos afirmam, mas para nos fazer relembrar o sofrimento e as atrocidades como eram tratados os negros trazidos, à força, de sua terra-mãe, por atos de violência e negação da condição humana, deixando para trás famílias, bens e sua cultura - tão rica. Aqueles que sobreviveram à longa e penosa travessia do oceano, ao serem batizados e perderem o nome de origem, perderam própria identidade, passando a serem tratados, como diria ARISTOTELES, 365 anos antes de Cristo, como “mera ferramenta de trabalho”.

Não podemos jamais esquecer isso. Antes, precisamos relembrar, sempre, dessa ferida que macula até hoje, a consciência e a história brasileiras, e rejeitar a falsa ideia de uma democracia racial, porque ela jamais existiu, à medida que o racismo enquanto negação do outro pela mera circunstância de não ser branco, que Grada Kilomba denomina "Outricidade"³ significando “a personificação de aspctos expressores do “eu” do sujeito branco”, ou seja, o negro “se torna representação mental daquilo com o que o sujeito branco não quer se parecer”, se encontra arraigado e estruturalmente fincado nas práticas diárias de uma grande parcela da sociedade brasileira como lembra o ex-Ministro Silvio de Almeida4 , bastando se ver as diárias denúncias de racismo e de violência contra o negro e do trabalho escravo moderno, que, quotidianamente, são noticiadas pela imprensa, a evidenciar que, infelizmente, ainda domina a consciência e constitui uma prática cotidiana de muitas pessoas, ainda que, não raro, negada pelos racistas não assumidos.

Precisamos lutar contra esse estado de coisas, porque como advertiu Ângela Davis: “Numa sociedade racista, não basta não ser racista, é necessário ser antirracista”5 e que Grada Kilomba6, denomina de colonialismo, porque esse processo significou não apenas a imposição da autoridade ocidental sobre terras dos conquistados, mas também ao modo de produção, leis, culturas e governos e com relação aos negros, a sua própria condição humana. Daí porque o racismo revela um doloroso impacto corporal e psicológico, com perda da própria identidade daquele por ele é afetado, causando uma terrível dor traumática que o afetado carregará para o resto da vida, pois o indivíduo é cirurgicamente retirado e violentamente separado de qualquer identidade que ele realmente possa ter, sendo privado de sua própria conexão com a sociedade inconscientemente pensada como branca, como mais uma vez averba Grada Kilomba7, sem se aperceberem aqueles que assim agem, que na verdade a sociedade é plural, multirracial e culturalmente diversa. 

É claro que se deve celebrar as conquistas alcançadas até aqui pelo povo negro, como, por exemplo, a aprovação pelo Senado de alteração Lei de Quotas para nela incluir os quilombolas e ratificação e aprovação pelo Governo Brasileiro por força do Decreto 10.932, de 10 de janeiro de 2022 e da decisão do Supremo Tribunal Federal equiparando a injuria racial a racismo (Habeas Corpus  -  HC 154248) e que foi incorporada pela Lei 14.532, de 11 de janeiro de 2023. Mas ainda assim, é muito pouco se pensamos que se não a maioria, pelo menos uma grande parcela população brasileira é negra8, a quem muitos dos direitos garantidos e assegurados aos brancos até aqui têm sido negados, não por falta de leis, mas, muito mais pelo preconceito que se encontra arraigado na cultura brasileira, fruto de mais de 300 anos de escravidão e isso, não se pode negar, deixa marcas de dor, de sofrimento e de exclusão indeléveis, porque continuam os negros e negras sendo as maiores vítimas do racismo e da violência.

De fato, dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) sobre o índice de mortes violentas intencionais evidenciam que a população negra é o alvo principal. Em 2022, houve 47.508 casos e 76,5% das vítimas eram negras, segundo os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022. Um outro levantamento - divulgado no ano passado pela Rede de Observatórios da Segurança (ROS) - demonstra que a polícia, infelizmente, mata uma pessoa negra a cada quatro horas em ao menos seis Estados: Bahia, Ceará, Piauí, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.

Em Mato Grosso do Sul, de acordo com o levantamento, 4.316 mil negros foram assassinados entre os anos de 2005 e 2015. O número total de homicídios no período foi de 7.424.

Em 2015, das 634 pessoas assassinadas, 405 eram negras. Outro indicador que demonstra a desigualdade racial de vulnerabilidade à violência contra o negro é a variação da taxa de homicídios, porque os assassinatos entre os não negros caíram 22% entre 2005 e 2015. 

No mesmo período, a taxa de negros vítimas de homicídios também teve queda, mas apenas de 9,7%, havendo uma maior discrepância entre as mulheres brancas e as negras. Em dez anos, a taxa de homicídios de mulheres não negras caiu 47,7% ao passo que quanto às mulheres negras a queda foi de apenas 4,6%, evidenciando uma clara assimetria de 41,1% entre os dados. 

E é contra esse processo de exclusão, de violência e negação contra negro que todos devemos nos engajar, para que os negros, como todas as demais pessoas, possam de fato ser incluídos no processo de uma verdadeira cidadania e tenham direitos em igualdade de condições com os brancos, de acordo com suas capacidades e aptidões, não tendo como parâmetro a cor.

É essa a mensagem que o Subcomitê de Equidade de Gênero Raça e Diversidade do TRT da 24ª Região deseja transmitir à sociedade nessa semana em que celebra o Dia da Consciência Negra, deixando aqui a sempre lembrada fala de Martin Luhter King, proferida no início da década de 60 do século passado:

"Eu tenho um sonho que meus quatro pequenos filhos um dia viverão em uma nação onde não serão julgados pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu caráter. Eu tenho um sonho hoje".

Também é nosso sonho que nossos netos e bisnetos possam viver em um país verdadeiramente plural, em que não corram o risco de serem julgados pela cor de sua pele, mas pelo caráter de retidão de suas condutas.

 Desembargador Francisco das C. Lima Filho

Coordenador do Subcomitê de Equidade de Gênero Raça e Diversidade do TRT da 24ª Região

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  1. Palestra proferida em Seminário no Tribunal Superior do Trabalho em 2022.
  2. NASCIMENTO, Abdias. O Genocídio do Negro Brasileiro. São Paulo, Editora Paz e Terra, 1978. 
  3. Termo usado por Grada Kilomba (Memórias da Plantação: Episódios de Racismo Cotidianos. Editora Cobogó, 2019) significando “a personificação de aspctos expressores do “eu” do sujeito branco”, ou seja, o negro “se torna representação mental daquilo com o que o sujeito branco não quer se parecer”. 
  4. ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. Editora Jandaíra, 2018. Para o aludido autor, “Todo o racismo é estrutural porque o racismo não é um ato, o racismo é processo em que as condições de organização da sociedade reproduzem a subalternidade de determinados grupos que são identificados”.
  5. Disponível em: <https://wp.ufpel.edu.br>. Acesso em a5.11.2024.
  6. KILOMBA, Grada. Op. cit, 2019.
  7. KILOMBRA, Grada. Ibem, 2019.
  8. Segundo os resultados do censo 2022, cerca de 92,1 milhões de pessoas se declararam pardas, o equivalente a 45,3% da população do país. Desde 1991, esse contingente, de acordo com o IBGE, não superava a população branca, que chegou a 88,2 milhões (ou 43,5% da população do país). Outras 20,6 milhões se declaram pretas (10,2%). Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br>. Acesso em 15.11.2024.